sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O vendedor de frutas que mudou o mundo

Gui Campos

O ano de 2011 vem chegando ao fim. Um ano conturbado desde o começo, com muitas revoltas, levantes, ocupações, em suma, pessoas juntando as vozes para gritar que não estão satisfeitas. Um momento que já vinha sendo preparado desde os primeiros encontros do Fórum Social Mundial, sob o slogan de 'um outro mundo é possível'; desde a criação da internet, que na comunicação estudamos como a mudança de um modelo 'um emissor comunica para muitos' para o mais democrático 'muitos emissores comunicam para muitos'. De repente, pessoas conseguiam se organizar sem precisar de uma liderança. 

O que talvez nem todos saibam é qual foi o estopim desse ano agitado. Tudo começou por causa de uma única pessoa, um jovem vendedor de frutas tunisiano de 26 anos. Chamava-se Mohamed Bouazizi. Ele não era nenhum revolucionário, nem podia imaginar a dimensão que sua auto-imolação iria tomar.

Mannoubia Bouazizi, mãe de Mohamed Bouazizi.   Foto: Peter Hapak (Time Magazine)

Foi até a sede do governo para tentar reaver seu carrinho, suas frutas e dar queixa da funcionária do Estado que havia lhe agredido. O governador se recusou a recebê-lo. Ele então saiu do prédio, foi até um posto de gasolina próximo e voltou. No meio do trânsito gritou "como vocês querem que eu viva desse jeito?". Jogou combustível em si mesmo e acendeu um fósforo. Eram 11h30 da manhã.

Mohamed foi internado com 90% do corpo queimado, e sua históra começou a circular na Tunísia. Virou o representante de um povo humilhado por 23 anos de ditadura e repressão. Indignado, o povo foi às ruas, e por mais de duas semanas enfrentou a polícia em diversas cidades do país. Quando morreu, no dia 4 de janeiro de 2011, 18 dias depois, virou um mártir. A revolução já havia explodido. No dia 14 de janeiro o então presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, foi obrigado a deixar o poder e fugir para Arábia Saudita. 

Assim começou 2011. Daí veio o que foi chamado de 'Primavera Árabe': o Egito também se rebelou e depôs Hosni Mubarak, no poder há 30 anos. Uma guerra civil na Líbia terminou com a prisão e morte de Gaddafi, ditador há 42 anos. Também houve levantes em Bahrein, Síria, Iêmen, Argélia, Djibouti, Iraque, Jordânia e Oman.

Na Espanha, o movimento chamado de 15-M ocupou o centro de Madri e logo se espalhou para as demais cidades. Na Inglaterra um quebra-quebra assustou os londrinos. Nos Estados Unidos veio a 'Occupy Wall Street': milhares de pessoas ocuparam primeiramente o coração econômico do capitalismo e logo várias outras cidades, defendendo que o Estado deve governar para o 99% da população comum, e não para o 1% que é dono do dinheiro, com o slogan 'nós somos os 99%'.

"O tempo está perfeito para se viver um momento histórico". Cartaz no movimento 15-M. Foto: Antonio Menendez

Os chineses foram às ruas pedindo liberdade; estudantes chilenos tomaram as ruas por meses contra o modelo de educação privada dos tempos de Pinochet, e inventaram jeitos criativos de ganhar a atenção da mídia para seus protestos, como o 'thriller pela educação'; a Palestina apresentou um pedido de reconhecimento às Nações Unidas, fortemente aplaudido pelos representantes de todos os países, com exceção de Estados Unidos e Israel. Com isso expôs o absurdo que é o Conselho de Segurança e o poder de veto de alguns países.

Ou seja, termina em breve um ano de muitas mudanças, de crises, do desmoronamento de um modelo no qual o dinheiro é tudo que importa. Um ano que, acredito, marca o início de uma nova organização política, econômica e social. Não sabemos para onde vamos, mas sabemos que esta estrada que vínhamos seguindo já não nos serve mais. E pensar que tudo começou com um vendedor de frutas de 26 anos, numa cidadezinha do interior da Tunísia, que só queria trabalhar mas acabou mudando o mundo...


Matéria publicada no jornal Brasil de Fato, edição 460.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Calma

Gui Campos
26/01/11

Pediu-me calma
Olhou seus olhos de vidro

Calma!

Com que roupa havia cruzado pontes,
sofrido flores,
beijado neve?

Com que olhos sentiu o vento,
amou a brisa,
chorou promessas?

Pediu-me calma.
Mas com que calma?

Eu não consigo.

Não peça calma,
Não peça isso.

Que nesta vida
Só morre um dia
Quem está vivo.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tempestade

Gui Campos
27/12/2010


O tempo. Cada dia é um dia.
Os sentimentos e as emoções sambando no peito, hora para lá, hora para cá.
A sensação de que o chão escapou e que agora o tufão leva, e não há muito o que fazer.
A tranqüilidade de saber que logo o vento vai diminuir, tudo se acalmar.
Mas o enjôo de estar sendo jogado de um lado ao outro e a dor física da falta.
A necessidade de entender o que passa com o outro.
Saber se essa confusão, essa angústia, são mútuas.
Medo de encontrar, de perder, de saber. 
"O medo é o oposto do amor".

Sabe o castelo que você tratou de construir com todo o cuidado?
Colocar boas cortinas, belos quadros, transformar no lugar mais seguro e aconchegante do mundo...
De repente lhe expulsam. Lá fora uma tempestade, que é todo o oposto do que você tinha antes.
Lhe dão uma picareta e dizem: "Derrube!"

E você tem que derrubar.

Você já não é permitido no seu próprio castelo, e assim ele deixa de existir.
Suas portas se fecham e ninguém mais entra.

Não é fácil derrubar o que se construiu com tanto esmero, 
mas você só consegue passar para o outro lado quando o derruba. Tijolo a tijolo.
E é horrível.
Você quer entrar, mas não pode.
Você quer passar, mas suas paredes enormes estão diante de você.
Você não quer destruí-lo, mas não lhe sobrou outra opção.

Demora. Às vezes mais, às vezes menos. Um dia a tempestade passa.
Depois que você consegue atravessar o que sobrou do seu castelo e continuar andando,
ao olhar para trás vê só mais uma ruína entre outras.
Você já pode caminhar, sentir o vento na cara,
o chão sob seus pés.

Mas a lembrança ainda aperta no peito:
a tranquilidade e a alegria de estar entre aquelas paredes,
no lugar mais aconchegante do mundo. Colo.
Saber que sua felicidade não é mais que uma faísca do que já foi.

Estar outra vez vagando, sem casa, não é fácil,
mas nesse deserto de pessoas temos que aprender a andar sós.
E pouco a pouco o sol se abre, e o vento acaricia os cabelos.

Um dia a andança termina e outra vez erguemos, lentamente, outro castelo.
Mesmo sabendo que é bem provável que, mais dia menos dia, outra vez seremos expulsos.

Mas quem é que consegue viver sem esses maravilhosos dias de oásis?