terça-feira, 22 de junho de 2010

Lista de pequenas coisas

Gui Campos

Resolvi fazer uma lista de pequenas coisas que fazem feliz, e que fazem a passagem por esse mundo ser tão especial:

Uma borboleta voando no jardim
O céu vermelho em um pôr do sol
Som de mar
Riso de criança
Cheiro de chuva
molhando a terra
Dormir de conchinha
Um mate quente em uma manhã fria
Um cachorrinho abanando o rabo
Um gato que sobe na cama e dorme em seus pés
Ganhar um presente
Rever uma pessoa querida
Um abraço demorado
com os olhos fechados, para se abraçar melhor
Um bom filme em um dia frio
Pipoca com manteiga
Ficar bêbado com os amigos
Violão
A água fria de uma cachoeira em um dia de sol
Esquentar-se no sol
Entrar no mar
Apaixonar-se
Caminhar pela cidade na madrugada
Conhecer uma cidade nova
Um país novo
Chegar em um lugar onde falam um idioma que você não entende
e reconhecer nas pessoas que, ainda que não falem seu idioma,
somos iguais
Escutar sua música
Aprender suas danças
Dançar
debaixo de um céu estrelado
Olhar as estrelas
Aprender a reconhecer uma constelação
Apaixonar-se pela lua
Uivar para a lua
Violão em uma fogueira
Escutar uma música que se gosta no rádio
Dançar música lenta em uma festa na 5a série
Primeiro amor
Primeiro beijo
Sentir o coração acelerado quando está assustado
Dormir junto em uma cama pequena
Acordar de noite e ver a pessoa amada dormindo
Espiar pela fechadura
Sorrir ao lembrar de uma lembrança boa
Viver um momento que você sabe que vai ser uma lembrança boa
Subir no palco e sentir as mãos frías e tremendo de nervoso
Relajar depois dos aplausos
Meditar
Coincidências
Decorar seu poema predileto
Um bom livro
Uma boa exposição
Um bom papo com uma pessoa inteligente
Mudar de opinião
Que ganhe as eleições um político que você acredita
Ganhar um sorriso por ajudar alguém
Dormir cansado por ter feito muitas coisas em um dia
Passar todo o dia deitado na rede, escutando o mar
Ver um bicho quando está andando pelo mato
Sons dos bichos na selva
Selva
Um bom sonho
e a sensação de tê-lo vivido ao acordar
Cafuné
Carinho de mãe
Colo quando está triste
Companhia quando está alegre
Silêncio quando está em paz
Soltar pipa
Fechar os olhos e ouvir música com fones de ouvido
Chocolate
Sushi
Um beijo
Suco
Comer fruta do pé
Tirar uma soneca
Encontrar a pessoa que você gosta
Sentir que o mundo é um lugar incrível
Fechar os olhos e respirar fundo
Mordida no pescoço
Praia
Ilha
Água
Mergulho
Deitar ao ar livre em uma noite escura e olhar as estrelas
Banho de chuva
Carinho de avós
Sorriso sem dentes
Rir até chorar
Chorar até dormir
Dormir junto
Estrela cadente
Fazer uma música
Elogío
Travesseiro de penas
Colchão de água
Guerra de travesseiro
Paz
Família
Sentir-se querido
Ter uma idéia genial
Chegar no alto de uma montanha
Dormir no calor de uma lareira em um abrigo de montanha
Saltar de paraquedas
Estrada
Acampamento
Aprender
Ensinar
Escutar
Ser escutado
Ter o esforço reconhecido
Olhar nos olhos
Entender
Dormir e acordar pensando em alguém
Apagar as luzes e acender velas
Abraçar um amigo
Falar só com gestos e olhares
Rosas vermelhas
Encontrar um pica-pau
Espuma no carnaval
Esperar impaciente alguém que você quer ver
Uma viagem longa de carro
O contraste entre duas cores de pele
Perceber que as coisas boas não acabam nunca

Como disse Mário Quintana:

"Fazem parte do teu presente,
e abrem-se no teu sorriso mesmo quando,
deslembrado delas,
estiveres sorrindo a outras coisas.
"A thing of beauty is a joy for ever"
Disse, há cento e muitos anos, um poeta inglês que não conseguiu morrer".

sábado, 24 de abril de 2010

As Cidades Invisíveis

Italo Calvino, trechos do livro As Cidades Invisíveis

      (...) Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar, deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
      -Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
      E a resposta de Marco:
      - Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá. 

As cidades e o desejo 4

No centro de Fedora, metrópole de pedra cinzenta, há um palácio de metal com uma esfera de vidro em cada cômodo. Dentro de cada esfera vê-se uma cidade azul que é o modelo para uma outra Fedora. São as formas que a cidade teria podido tomar se, por uma razão ou por outra, não tivesse se tornado o que é atualmente. Em todas as épocas, alguém, vendo Fedora tal como era, havia imaginado um modo de transformá-la na cidade ideal, mas, enquanto construía o seu modelo em miniatura, Fedora já não era mais a mesma de antes e o que até ontem havia sido um possível futuro hoje não passava de um brinquedo numa esfera de vidro. 

Agora Fedora transformou o palácio das esferas em museu: os habitantes o visitam, escolhem a cidade que corresponde aos seus desejos, contemplam-na imaginando-se refletidos no aquário de medusas que deveria conter as águas do canal (se não tivesse sido dessecado), percorrendo no alto baldaquino a avenida reservada aos elefantes (agora banidos da cidade), deslizando pela espiral do minarete em forma de caracol (que perdeu a base sobre a qual se erguia).

No atlas do seu império, ó Grande Khan, devem constar tanto a grande Fedora de pedra quanto as pequenas Fedoras das esferas de vidro. Não porque sejam igualmente reais, mas porque são todas supostas. Uma reúne o que é considerado necessário, mas ainda não o é; as outras, o que se imagina possível e um minuto mais tarde deixa de sê-lo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Três músicas para três horas do dia

por Gui Campos

Posto aqui três músicas fodas. Uma para cada momento do dia.

A primeira é para acordar. Esse tipo de música para colocar quando acorda, abrir a janela e dar bom dia ao sol. Sarah Vaughan e a incrível "Experience Unnecessary":

A segunda é para o começo da tarde. Na hora da siesta. O compositor é o francês Erik Satie. Do começo do século XX, teve sua obra ofuscada pela de um gênio que foi seu contemporâneo: Debussy. Acabou redescoberto quando essa música foi usada em um comercial de sabonete (hoje passa na novela da globo). Gymnopedie n.1. Vale a pena ouvir com fone de ouvido.

A terceira é para o final do dia. Para quando chegar em casa, cansado, deitar na rede (se não tiver rede vale um sofá mesmo ou a cama), e escutar com fone de ouvido também. Do japonês Ruichi Sakamoto, a trilha do filme "Merry Christmas, Mr. Lawrence", de 1983.

Tenham um bom dia!

terça-feira, 16 de março de 2010

Toco a tua boca

Julio Cortazar

"Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha.

Me olhas, de perto me olhas, cada vez mais de perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam entre si, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas cavernas onde o ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim como uma lua na água".

Trecho do livro de Julio Cortazar
Rayuela (O Jogo da Amarelinha). Capítulo 7

Editora Record.

terça-feira, 2 de março de 2010

Eu voto nulo!

por Gui Campos

Então finalmente se acabou o carnaval e começou o ano no Brasil. Assim como acontece a cada 4 anos, 2010 promete espetáculos. Primeiro a Copa do Mundo. Então temos um pequeno recesso no meio do ano, e a campanha política vem com toda a força.

É uma história que conhecemos bem. Bem demais até. Trocentos candidatos têm direito a alguns segundos no horário eleitoral gratuito. Outros fazem showmícios e gincanas para arrecadar votos. E o eleitor, o mesmo eleitor que não se surpreende mais em ver nos noticiários os "representantes do povo" enchendo as meias e as cuecas de dinheiro, mais uma vez elegerá aqueles que organizarem o melhor show sertanejo ou que prometerem mais coisas.

A ignorância não é privilégio exclusivo dos iletrados. É nos anos eleitorais que isso é mais evidente. Não são poucos os representantes da pequena elite intelectual do país que votam pensando em seu umbigo. Naquele aumento de 28% prometido, ou naquele cargo público por indicação, no qual se ganha tão bem e se trabalha tão pouco. O coletivo não existe. Quem ousa pensar no melhor para a sociedade só pode ser um ditador comunista. Liberdade só para empresas e mercados. A sociedade fracassou.

Acredito que a corrupção, infelizmente, já é parte da nossa cultura. A romantização do "malandro" e do "jeitinho brasileiro" não são mais que odes a essa prática repulsiva que corrói as bases de qualquer tentativa de desenvolvimento real do país.

Mais que leis que nos protejam contra a corrupção, mais que um justiça que realmente puna os culpados, precisamos de honestidade. De noção de vida em sociedade. A corrupção está nas pequenas coisas. Desde aquele carro que corta todo mundo pela direita para se dar bem, ou o taxista que dá voltas para ganhar mais, ou o empregado que leva uma caneta para casa para economizar 50 centavos.

É claro que as proporções e as consequências são totalmente diferentes. No entanto, é a mentalidade que importa. A mesma mentalidade dos primeiros europeus que pisaram em solo americano: o objetivo é saquear o país em benefício próprio, afinal o "eu" é mais importante que o "nós".

Por mais que tentemos complicar as coisas, é tudo muito simples: o Governo, os Tribunais, o Congresso, não são mais nem menos que prédios com seres humanos dentro. As instituições são invenções nossas. Na prática, tudo o que há são prédios e pessoas. Dos prédios não podemos esperar muita coisa. Por isso só nos resta concluir que a culpa é das pessoas.

Por isso não podemos esperar transparência e honestidade dos governantes se nós mesmos somos, em maior ou menor grau, corruptos. Nunca mudaremos nada com leis ou punições, mas com consciência e mudança de atitude. Pode ser um processo longo e difícil, mas é o único real e definitivo. O matemático Pitágoras afirmou: "educai as crianças e não será necessário punir os homens". Cultura se transmite por mímica. As crianças aprendem a transformar-se em homens e mulheres imitando os adultos. Então a única maneira de educá-las é com o exemplo.

Este ano mal começou mas já foi marcante por prisões que nos deixaram orgulhosos e esperançosos de que a justiça realmente cumpra o seu papel. Agora nos resta, como eleitores, a responsabilidade de votar em pessoas que sejam de fato idôneas. Não é difícil descobrir a vida prévia daquele que se deseja votar. Basta uma busca na internet para saber tudo: quais projetos já apresentou, quanto e como gasta a verba indenizatória, os escândalos nos quais já se envolveu. O povo pode ter memória curta, mas nunca foi tão fácil o acesso aos arquivos da história.

Já como cidadão, a obrigação é tentar ser correto, justo e principalmente respeitar o outro. Entender que para que uma sociedade funcione é preciso saber que o todo é mais importante que o indivíduo. Trocar a postura de ganhar vantagem pela gentileza.

Eleger aos mesmo políticos de sempre é aceitar e legitimar as práticas políticas do nosso país. Que nessas eleições os votos sejam por mérito, e não por benefício. E se em meio à tanta gente não houver ninguém minimamente decente - o que não é difícil - não tenho dúvidas: eu voto nulo!