quarta-feira, 16 de julho de 2008

Flamenco em Madrid

La Quimera
por Gui Campos



Um dia fui ajudar o Kiko, um amigo, a gravar o show da Fernanda Cabral, uma cantora brasileira que leva já 10 anos vivendo e cantando em Madrid. Era uma sexta-feira, havia chegado a Espanha há pouco tempo e aproveitei a desculpa de ser seu assistente de câmera para ir assistir ao show, que foi em uma sala de teatro bem interessante daqui que é a Sala Tribueñe, um teatrinho pequeno mas super aconchegante.

O caminho até lá já foi curioso. O teatro fica no bairro de Ventas, onde está a praça de touros de Madrid e a produtora do Almodóvar - El Deseo. Não há muito além disso, só mais um bairro residencial meio longe da minha casa. Mas eu nunca havia estado aí, e ver a praça de touros com seu estilo árabe no meio da capital da Espanha já valeria o passeio. Mas me surpreendi. O show da Fernanda foi bem legal e deu pra matar um pouco das saudades de música brasileira.

Depois do show gravamos um pouco do camarim e uma entrevista com ela. Estavam todos saindo do teatro para tomar uma cerveja no café ao lado, o La Quimera. Ela nos convidou, e nós fomos aí.

Era um lugar pequeno mas bem gostoso, e ficamos aí batendo um papo e tomando uma. Para nossa surpresa, em um dado momento os garçons que estavam nos servindo sobem em um pequeno palco que há aí e pedem silêncio, pois as sextas-feiras são noites de flamenco no La Quimera.

O bar se silencia e começa o violão que, apesar da harmonia relativamente simples do flamenco, esbanja complexidade rítmica e melódica, com umas escalas que não são muito comuns para nós brazucas, mas que soa tão bem e como algo tão antigo que já parece familiar. Logo o até então nosso garçom começa a cantar. As mãos, além de instrumento, são uma extensão do coração, que parece que vai ter um troço ali de tanto sofrimento.

Patrícia, a garçonete, sobe ao palco no final e vem mais uma surpresa, a de escutar o flamenco pela voz feminina. O espanhol é mais fácil de entender, as palmas são mais suaves, as mãos ainda mais expressivas. Mas o mesmo sentir e o sofrer estão presentes também, e o canto treme todo o cafetín, e junto com ele cada um dos que ali estão.

Ainda não havia estado em nenhum flamenco, por pura preguiça de passeios turísticos. Não quero ver shows de flamenco para gringos, não quero comer paella para gringos. Como tenho tempo para descobrir as coisas, espero conhecer as coisas típicas da Espanha naturalmente, sem a pressa dos turistas. E foi assim que eu fui parar no cafetín La Quimera. Nem precisa dizer que virei cliente, e os amigos que passaram por Madrid em uma sexta ou um sábado provavelmente foram levados para lá.

Mais tarde descobriria que o violonista era "O Persa", que apesar da cara e do sotaque andaluz, é um iraniano. O cantor (e dono do La Quimera) é o Antorrín, e Patrícia é a garçonete e cantora. Pouco a pouco descobria uma coisa ou outra, mas tinha vontade de entender como surgiu aquele lugar, de onde eles se conheciam, como o flamenco havia chegado na vida de cada um. No mestrado eu precisava gravar um pequeno documentário sobre o tema que quisesse. E, juntando a necessidade à curiosidade, resolvi fazer o documentário sobre esse lugar e essas pessoas.

O resultado é esse vídeo que eu coloco aqui. Tive a sorte de que a visita do meu "irmão" e companheiro de trabalhos JP coincidiu com o dia que tinha que gravar, e assim - com uma equipe de duas pessoas e nada de iluminação - foi que gravamos. O resultado não tinha como não me agradar, já que eu já era fã do cafetín.

Espero compartilhar um pouco dessa alegria de estar aí com quem assistir ao vídeo. E quem vier a Madrid e quiser fugir do lugar-comum vale a pena passar uma noite aí e por que não inclusive arriscar umas palmas e um olé?